Facebook Twitter Imprimir

ARQUIVO DE NOTÍCIAS


16/06/2020 - Cientistas de três continentes discutem Covid-19

Blumenau, com 357 mil habitantes, tem mais óbitos causados pela Covid-19 do que Angola, com 30 milhões. A subnotificação dos casos é apenas uma das hipóteses para explicar os números registrados no país e em todo o continente africano. O cientista angolano, professor Euclides Sacomboio, Doutor em Ciências da Saúde e especialista em Microbiologia Médica e Vigilância Epidemiológica aponta outros fatores aliados à falta de dados sobre a pandemia para explicar o fato, como a convivência dos africanos com doenças infecciosas como a malária e outros vírus letais, como o ebola.
 
A situação de Angola, Portugal e Brasil foi comparada por cientistas dos três países em encontro online realizado em 10 de junho, com a participação do professor Doutor Alessandro Silveira, titular em Microbiologia Clínica na Universidade Regional de Blumenau (FURB) e da Doutora Maria João Hilário, coordenadora do curso de Ciências Biomédicas Laboratoriais na Escola Superior de Saúde Egas Moniz, de Portugal, além de Sacomboio, por Angola. Os três são unânimes ao afirmar que o que se sabe sobre o novo Coronavírus ainda não é suficiente e que a precisão dos dados é fundamental para que as investigações avancem. Medicamentos e vacinas ainda devem demorar para chegar ao mercado e a Covid-19 “veio para ficar”.
 
Para Sacomboio, embora Angola tenha se preparado bem no início da pandemia, adotando medidas como deixar em quarentena quem chegasse ao país, por razões “políticas” esse controle se perdeu e o vírus Sars-CoV-2 se espalhou. “Sabemos que não estamos testando a população como deveríamos e que isso gera a subnotificação da doença. Mas, também conhecemos histórias que, de certa forma, trazem algum alento para a África e que mostram que, possivelmente, os africanos serão afetados pela Covid-19, mas com menos gravidade”, considera o professor. A convivência com a malária e o uso frequente da cloroquina (que teve o uso suspenso no país para tratar a Covid-19), assim como a prática em combater epidemias graves, como a do ebola, estão entre as hipóteses que vêm sendo avaliadas para verificar a baixa letalidade do novo vírus registrada no continente. “Mundialmente, ainda não conhecemos o vírus Sars-Cov-2. Para obter respostas, precisamos identificar e entender o perfil clínico e epidemiológico, perfil vacinal e fisiológico da população para começar a entender o vírus e diferenciar o que é ou não um fator de proteção. Enquanto isso, cabe descobrir como conviver com a Covid-19”, observa. Para o professor, sair do isolamento social é o principal desafio neste momento. “Vimos que nos países em que houve o desconfinamento o número de casos aumentou muito. Na falta de testes, me preocupa a falsa sensação de haver poucos casos entre nós, angolanos”, observa o cientista.
 
Em Portugal, de acordo com a professora Maria João Hilário, a orientação atual é “testar. testar e testar” a população para, especialmente, identificar os portadores assintomáticos do vírus. Ela conta que, no início da pandemia, o isolamento social (que lá foi espontâneo, antes de obrigatório) foi muito eficiente no controle da transmissão, mas, com a retomada das atividades econômicas, o país vive um novo pico de casos. “Com o maior contato social e o aumento da testagem, logicamente aumenta a quantidade de indivíduos contaminados”, observa a professora. No país, os mais jovens são os mais afetados, mas apresentam apenas sintomas leves, como febre, dor de cabeça, perda de olfato e paladar, “não há grande necessidade de intubação de pacientes”, destaca Maria João. O que ela chama de “obediência epidemiológica” ainda é, em sua opinião, a melhor arma no controle da doença. “O uso correto de máscaras e outros equipamentos de proteção individual (como luvas) é muito importante, assim como orientar a população ao uso”, considera.  
 
A evolução da Covid-19 no Brasil foi apresentada pelo professor da FURB, Alessandro Silveira, que chamou de “situação peculiar” o que acontece aqui. “Não é possível falar da Covid-19 no Brasil sem citar a questão política”, disse. Ele relatou as divergências ideológicas entre o Governo Federal e os dois ministros da saúde que já passaram pelo ministério na pandemia. “Hoje o Ministério da Saúde no Brasil é controlado pelos militares e o país vive uma politização e polarização extremas de ideias”, observou.
 
Sobre a subnotificação de casos, o professor destaca que aqui também não há uma testagem em massa, “mas os estudos epidemiológicos indicam que os números atuais devem estar subestimados em 10 vezes, o que eleva de 800 mil para 8 milhões de casos a situação brasileira”. Ele contou ainda aos pesquisadores que o Governo Federal proibiu a divulgação dos dados relativos ao avanço da doença, que têm sido buscados e atualizados por um consórcio inédito de meios de comunicação junto aos estados e municípios.
 
Medicamentos e vacina
 
Apresentadas as realidades dos três países, os pesquisadores iniciaram um debate sobre as formas de tratamento e a disponibilidade de uma vacina. No centro do debate, a cloroquina. Em Angola, onde a malária é uma infecção frequente, o uso da cloroquina é amplo, mas também não se mostrou eficiente no combate direto à Covid-19. Em Portugal, o uso foi suspenso, diante da pouca eficiência no tratamento e riscos à saúde que os efeitos colaterais do remédio podem provocar. No Brasil, de acordo com Silveira, que importa uma versão menos tóxica do remédio (a hidroxicloroquina), o medicamento sumiu das farmácias e deixou desassistidos pacientes com malária, por exemplo. “O Conselho Federal de Medicina autoriza o uso da hidroxicloroquina, mas não indica. O paciente precisa consentir no uso, pois já existem evidências robustas de que ela não funciona”, informa Silveira.
 
A disponibilidade de uma vacina no curto prazo também preocupa. “Até que sejam seguras para o uso em massa, as vacinas precisam de muitos estudos” afirmam os três, unanimemente.  
 
A falta de medicamentos e o prazo para a conclusão de uma vacina dificultam uma visão “pós-Covid-19”, na opinião dos pesquisadores. “A Covid-19 veio para ficar, vamos conviver com o novo Coronavírus como convivemos com a Influenza. Estamos diante de uma nova realidade em relação às doenças infecciosas” afirma o professor da FURB. 
 
Apesar das diferenças, as recomendações dos três pesquisadores seguem a mesma linha. Eles afirmam que, para que esta convivência com o vírus impacte menos nos sistemas de saúde, depende da atitude de cada cidadão, individualmente. Hoje, fazer uso correto da máscara, manter distância das pessoas e higienizar as mãos com frequência são as melhores formas de prevenção ao Coronavírus, segundo os pesquisadores. Eles também indicam a importância de manter a imunidade alta, com uma alimentação rica em nutrientes e respeito às horas de sono como fundamentais e recomendam, ainda, o cuidado com a saúde mental, pois veem crescer os casos de ansiedade e depressão. “Fomentar a proteção e o autocuidado é oportunidade à saúde de todos na convivência com a Covid-19”.
 
A conversa foi promovida pelo Centro de Formação Saber, de Angola, e está disponível na página da instituição no Facebook.  
 
Publicação: 16/06/2020 - 16h49 - Central Multimídia de Conteúdo/Jornalismo | Foto(s): CMC


Painel