Pesquisa FURB investiga políticas para a população em situação de rua em Santa Catarina
Por Camila Maurer [12/09/2025] [16 h30]
Projeto avalia constitucionalidade de medidas que preveem internação involuntária de pessoas em situação de rua em municípios catarinenses
Um projeto de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Regional de Blumenau (PPGD/FURB) está monitorando a implementação de políticas para a população em situação de rua no Estado. Os pesquisadores do grupo investigam a constitucionalidade de leis que preveem a internação involuntária dessa população, prática que tem sido adotada por alguns municípios catarinenses. O projeto é coordenado pelo professor Marcelino Meleu, doutor em Direito Público e líder do grupo de pesquisa “Direitos Humanos, Dignidade e Reconhecimento”, vinculado ao PPGD/FURB e integrante da Rede Brasileira de Pesquisa em Direitos Humanos.
O projeto, financiado por recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), está em fase de coleta de dados e deve ser finalizado até o final de 2026. A metodologia envolve levantamento bibliográfico, análise de legislações, entrevistas e questionários com gestores públicos e pessoas em situação de rua. Entre os achados preliminares do estudo estão os altos índices de retorno à situação de rua após a internação. “Após a internação, que são cerca de 90 dias, a pessoa não tem para onde ir e acaba voltando para a rua. Esse ciclo é muito complexo e demanda diversas políticas”, explica.
O estudo acerca das leis municipais de internação involuntária de pessoas em situação de rua é um dos recortes de um amplo projeto que se dedica a monitorar a implementação das medidas estabelecidas no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 976, julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023. Na ocasião, a corte reconheceu o chamado “Estado de Coisas Inconstitucional” no tratamento destinado às pessoas em situação de rua no país. Inspirada por uma teoria jurídica nascida na Colômbia na década de 1990, a decisão do STF apontou falhas estruturais em todos os níveis de governo no cumprimento da Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída em 2009. “É uma espécie de falência estrutural. Todas as estruturas do Estado estão falhando e estamos produzindo, portanto, essa ilegalidade”, explica o pesquisador. A partir de então, órgãos em diversos níveis passaram a articular iniciativas para promover a inclusão dessa população. No âmbito do Judiciário, O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) institui a política PopRuaJud, que visa garantir o acesso prioritário e desburocratizado à população em situação de rua nos tribunais do país, mesmo quando não possuem documentos, roupas adequadas ou endereço fixo, por exemplo.
O projeto agrega pesquisadores da Universidade Regional de Blumenau (FURB), da Universidade do Extremo Sul Catarinense (Unesc), da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó) e da Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (Unijuí), além da Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina. O objetivo dos pesquisadores é fornecer subsídios aos gestores públicos para a correta aplicação das diretrizes nacionais. “Às vezes, o próprio gestor público não sabe dessas diretrizes que foram definidas na ADPF 976 em 2023, pois ela é muito recente. Então nos cabe, enquanto cientistas da área, promover pesquisas e encaminhar esses relatórios para os gestores públicos”, destaca.
Sensibilização dos gestores públicos e da sociedade é desafio para implementação de políticas
Para o pesquisador, o maior desafio para a implementação de políticas públicas para a população em situação de rua está na necessidade de sensibilizar os gestores públicos e sociedade em relação ao tema. “Esse é o grande desafio: demonstrar que esse é um problema real, concreto, que não é simples de resolver, exige um olhar para múltiplas demandas. É preciso sensibilizar para isso se tornar uma prioridade dentro das políticas públicas”, avalia.
O Brasil tem mais de 300 mil pessoas em situação de rua, segundo registros do Cadastro Único do Ministério do Desenvolvimento Social. Dados do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas para a População em Situação de Rua (UFMG) mostram que mais da metade dessa população (52%) está nessa condição por motivos econômicos: simplesmente não consegue pagar aluguel, apesar de, muitas vezes, ter fonte de renda. Na avaliação do pesquisador, tais dados corroboram a necessidade de desmistificar o imaginário social que associa a população em situação de rua ao uso de drogas ou à criminalidade. “Essa população é extremamente heterogênea: há famílias inteiras, idosos, mulheres vítimas de violência doméstica, pessoas LGBTQIA+ expulsas de casa. É importante trabalhar políticas públicas observando essa heterogeneidade e promovendo uma abordagem interseccional para identificar esse panorama e poder acolher de forma digna”, ressalta.
O pesquisador explica que uma das alternativas adotadas com sucesso em cidades brasileiras e estrangeiras é o modelo internacional conhecido como Housing First (“Moradia Primeiro”). Ao contrário do modelo tradicional (que exige que a pessoa se recupere antes de ter acesso à moradia), o programa Moradia Primeiro oferece uma residência como primeiro passo para a reintegração social. “Sem um lar, é quase impossível manter um emprego ou cuidar da saúde. A moradia é o ponto de partida para a dignidade”, destaca. No Brasil, iniciativa já foi adotada de forma piloto em Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS).
FURB Pesquisa
O trabalho foi tema do programa FURB Pesquisa desta semana: