Pesquisa FURB revela cidades do Vale do Itajaí que apresentam baixa capacidade de retornar à normalidade após um desastre

Pesquisa FURB revela cidades do Vale do Itajaí que apresentam baixa capacidade de retornar à normalidade após um desastre

Foto: RTE FURB

O aumento da população vivendo em áreas de risco impõe desafios à resiliência de cidades que integram a sub-bacia hidrográfica do Rio Itajaí-Mirim. A conclusão é de uma pesquisa de Doutorado desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau (PPGDR/FURB). O estudo foi conduzido pelo pesquisador Bruno Jandir Mello, Doutor em Desenvolvimento Regional, sob orientação da professora Cristiane Mansur de Moraes Souza, e avaliou questões relacionadas à vulnerabilidade socioambiental das cidades que integram a sub-bacia hidrográfica do Rio Itajaí-Mirim: Presidente Nereu, Vidal Ramos, Botuverá, Guabiruba, Brusque e Itajaí.

A resiliência, isto é, a capacidade de retornar à normalidade após um desastre, é um desafio para as comunidades que ocupam áreas de risco em Itajaí e Brusque, cidades mais populosas e vulneráveis da sub-bacia. A análise da percepção de risco dos moradores das áreas mapeadas indicou a existência de baixos níveis de resiliência comunitária. Questionários para avaliação desse aspecto foram aplicados juntos aos moradores de áreas de risco e envolveram questões como a percepção em relação à ameaça de desastres, o nível de preparação dos indivíduos para tais ocorrências, o nível de adaptação ao local e a capacidade de se recuperar financeiramente após um desastre, entre outros aspectos.

A aplicação dos questionários foi realizada em dois momentos distintos: no primeiro semestre de 2023 e após as inundações de outubro/novembro do mesmo ano. A comparação entre os resultados obtidos em cada um desses momentos indicou que os níveis de resiliência aumentaram logo após a ocorrência das inundações, mas permaneceram abaixo do ideal, de acordo com a avaliação do pesquisador. Entre os principais achados relacionados à resiliência dessas comunidades, destacam-se a baixa percepção de risco entre a população masculina e o baixo percentual de moradores (26%) que afirmam ser capazes de se recuperar rapidamente em caso de perdas materiais. A análise das respostas revelou, ainda, que 33% da população pesquisada poderá precisar se deslocar para abrigos em caso de desastres; 30% não pretende se mudar e 33% apenas deixaria a comunidade em situações extremas.

Mello ressalta que, apesar de ser referência em todo o país, o modelo de gestão de riscos de desastres adotado na região é altamente reativo, majoritariamente voltado à resposta aos eventos e à rápida reconstrução das estruturas destruídas. A reconstrução em áreas suscetíveis a desastres e sem o devido planejamento urbano, no entanto, fomenta um ciclo vicioso que perpetua paisagens de risco. O pesquisador alerta, ainda, para o fato de que o atual cenário de mudanças climáticas deve aumentar a frequência e gravidade dos desastres socioambientais, além de enfatizar a necessidade de agir proativamente, não apenas em resposta às emergências.

Considerando esse contexto e os achados da pesquisa, o pesquisador propõe uma série de intervenções para o fortalecimento da resiliência que objetivam reduzir a letalidade dos desastres, preparar as comunidades para os eventos extremos e minimizar as perdas materiais. Entre as medidas consideradas mais importantes pelo pesquisador estão a elaboração de políticas habitacionais eficientes e a recuperação da vegetação de rios e córregos.

 

Itajaí e Brusque são as cidades mais vulneráveis

Mello explica que a sub-bacia do Itajaí-Mirim é um recorte importante da bacia hidrográfica do Rio Itajaí, pois se estende desde o Alto Vale, em Presidente Nereu, até a Foz, em Itajaí, o que a torna representativa de múltiplas realidades. Nesse cenário, Itajaí e Brusque apresentam os maiores níveis de vulnerabilidade socioambiental, não apenas por suas condições geográficas, mas por serem os municípios mais populosos da sub-bacia. As duas cidades têm em comum o fato de apresentarem altas taxas de crescimento populacional e econômico, o que implica em aumento no preço dos imóveis em áreas seguras e leva as camadas mais vulneráveis da população a ocupar áreas de risco. Em Itajaí, cerca de 80% do território do município apresenta algum nível de vulnerabilidade em relação às inundações, o que o torna o município mais vulnerável de toda a sub-bacia. Brusque, por sua vez, tem nas ocupações de encostas de morros suscetíveis a deslizamentos seu problema central.

Ainda que os demais municípios analisados apresentem baixa vulnerabilidade socioambiental, a situação de Guabiruba, no Médio Vale, inspira atenção, na avaliação do pesquisador. Nos últimos anos, o município tem apresentado crescimento populacional e registrado casos de enxurradas e pessoas desabrigadas em locais onde tais ocorrências não eram comuns. Ao contrário de Itajaí e Brusque, que possuem boas estruturas de Defesa Civil, o município ainda não foi capaz de implantar um processo de gestão de riscos, o que aponta para problemas futuros.

Além de identificar os maiores índices de vulnerabilidade socioambiental entre as cidades que compõem a sub-bacia, o estudo também mapeou as paisagens de risco existentes nos dois municípios mais vulneráveis. Na avaliação do pesquisador, o mapeamento dessas áreas é fundamental para a elaboração de políticas públicas e intervenções preventivas. Habitações precárias próximas de rios e ribeirões e nas encostas de morros são as paisagens de risco mais características da região.

Em Itajaí, foram mapeadas 7 paisagens de risco localizadas nos bairros Cidade Nova, Imaruí, Nossa Senhora das Graças, Rua Antônio Paulo/Rua João Cunha (Fazenda), São Vicente, Murta e Cordeiros. Habitações precárias às margens dos rios Itajaí-Mirim e Itajaí-Açu constituem os principais cenários de vulnerabilidade no município. Em Brusque, 5 paisagens de risco foram identificadas: Azambuja, Águas Claras/Primeiro de Maio, Zantão, Bateas e Steffen, majoritariamente caracterizadas por habitações precárias em encostas de morros, o que as torna suscetíveis a deslizamentos de terra. A comparação com estudos anteriores sugere que não houve, na última década, a criação de novos agrupamentos urbanos em áreas de risco nos municípios analisados, mas o aumento da concentração de pessoas vivendo nesses locais.

Na avaliação do pesquisador, a constituição de paisagens de risco na sub-bacia hidrográfica do rio Itajaí-Mirim relaciona-se a quatro fatores principais: um modelo de desenvolvimento regional que atrai trabalhadores pela ampla disponibilidade de empregos; o elevado crescimento populacional vivenciado pelos municípios da região ao longo da última década; a especulação imobiliária e ausência de políticas habitacionais; e a existência de áreas periféricas para onde as camadas mais vulneráveis da população são atraídas.

 

 

Como a pesquisa foi realizada

A pesquisa conduzida por Mello foi realizada em duas grandes etapas: a primeira investigou a vulnerabilidade socioambiental dos seis municípios que compõem a sub-bacia hidrográfica do Itajaí-Mirim (Presidente Nereu, Vidal Ramos, Botuverá, Guabiruba, Brusque e Itajaí). Identificados os municípios mais vulneráveis – Itajaí e Brusque -, a segunda etapa dedicou-se a mapear e caracterizar as paisagens de risco em cada um desses municípios e analisar a resiliência dessas comunidades. A avaliação da resiliência comunitária foi realizada por meio da aplicação de questionários que contemplaram 15 aspectos da ideia de resiliência e envolveram questões como a percepção dos moradores em relação à ameaça de desastres, o nível de preparação dos indivíduos em relação a tais ocorrências, o nível de adaptação ao local e a capacidade de se recuperar financeiramente após um desastre. No total, foram aplicados 1.039 questionários. Entre os respondentes, 79% são mulheres; 54% estão expostos a inundações graduais e 38% a movimentos de massa ou inundações bruscas; 55% são proprietários de suas residências; 43% concluíram o ensino médio e 6% concluíram o ensino superior.

 

FURB Pesquisa

A pesquisa desenvolvida por Bruno Jandir Mello foi tema do programa FURB Pesquisa desta semana.