Jornadas de trabalho extensas e falta de reconhecimento marcam a vida de costureiras faccionistas no Vale do Itajaí, indica pesquisa FURB
Por Camila Maurer [09/05/2025] [16 h22]
Estudo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade Regional de Blumenau (PPGAd/FURB) investigou o bem-estar subjetivo e as motivações profissionais das costureiras faccionistas do Vale do Itajaí e revelou desafios como baixa remuneração, jornadas de trabalho extensas, pressão por produtividade e falta de reconhecimento profissional. O estudo foi conduzido pela pesquisadora Andreyna Santos, Mestre em Administração, sob orientação da professora Cynthia Quadros, Doutora em Desenvolvimento Regional. O estudo pretende contribuir para preencher uma lacuna identificada pelas pesquisadoras. “Temos alguns estudos sobre as costureiras que trabalham de forma informal, mas são poucos. Existem muitos estudos sobre o bem-estar dos freelancers e autônomos que trabalham em condições um pouco melhores. Mas quando a gente olha para realidades precarizadas, como as costureiras de facção, não encontrei muitos estudos”, destaca Santos. A pesquisadora conduziu entrevistas com dez costureiras faccionistas que trabalham no Vale do Itajaí. O estudo tem caráter qualitativo e exploratório e constitui um primeiro passo para conhecer a realidade dessas trabalhadoras.
A pesquisa investigou três aspectos centrais: o grau de satisfação das costureiras com a vida e o trabalho, os desafios profissionais e as motivações para escolha e permanência na profissão. Entre as principais motivações apontadas pelas costureiras para a escolha da profissão estão a necessidade de trabalhar em casa para estar perto dos filhos, autonomia e a flexibilidade na gestão do tempo, além da satisfação com o ofício. Instabilidade financeira, pressão por produtividade, falta de reconhecimento profissional e dificuldade de precificação foram apontados como os principais desafios que ameaçam a permanência na profissão. Quanto ao bem-estar, os resultados revelam que as faccionistas mantêm uma relação ambígua com o trabalho: enquanto a sensação de autonomia e realização profissional promovem emoções positivas, como orgulho e satisfação, a insegurança econômica, a sobrecarga de trabalho e a falta de garantias sociais geram ansiedade e frustração.
Essenciais à indústria da moda, as costureiras faccionistas são trabalhadoras autônomas, muitas vezes informais, que prestam serviços terceirizados de mão de obra de costura para a indústria. Diferentemente das costureiras que trabalham no interior das indústrias, as faccionistas não têm quaisquer garantias. Muitas vezes trabalham em casa, sozinhas ou coletivamente, nas chamadas facções (também conhecidas como oficinas de costura em outras regiões do país). Na avaliação da pesquisadora, a extensão das jornadas de trabalho é um dos aspectos mais preocupantes revelados pela pesquisa. As costureiras entrevistadas cumprem jornadas que podem chegar a 16 horas por dia, de domingo a domingo.
As trabalhadoras usam recursos próprios – máquinas de costura, linhas, agulhas, energia elétrica – e não têm qualquer garantia de remuneração mínima por peça produzida. Não há contrato formal, nem tabelas fixas de preço pelo serviço. Quem define quanto vai pagar e qual o prazo de entrega é o contratante. A pesquisadora explica que as grandes indústrias geralmente abastecem as facções maiores, que reúnem dezenas de costureiras. As facções menores, de uma ou duas costureiras que trabalham em domicílio, costumam ser abastecidas por atravessadores, pessoas que recebem lotes da indústria e repassam a produção adiante. Nesse processo, o preço a ser pago por cada peça produzida fica ainda mais baixo e a precarização aumenta. A oferta de serviços e negociação se dá por meio de grupos em redes sociais que reúnem costureiras e empresas que possuem demandas de costura. Um levantamento feito pela pesquisadora identificou que os três principais grupos dedicados a esse propósito na região reúnem quase 50 mil membros. A informalidade do processo expõe as costureiras faccionistas a riscos constantes de golpes.
Filha de costureira, a pesquisadora observou desde cedo as dificuldades enfrentadas por essa classe de trabalhadoras. “Tenho uma história muito forte com a costura porque minha mãe é costureira, a gente sempre teve nossa vida entrelaçada com essa profissão. Eu sempre percebi que as costureiras trabalham de formas muito diferentes dos profissionais tradicionais, mesmo os profissionais de chão de fábrica. E sinto que eles sofrem também sofrem bastante com algumas questões do trabalho, como cansaço e condições físicas, mas também as questões psicossociais, que são pouco investigadas nesse tipo de trabalhador. Então, decidi pesquisar sobre as costureiras, mais especificamente as faccionistas”, relata.
Pesquisadora foi premiada por plataforma que conecta costureiras e empresas de forma justa e segura
Durante sua trajetória no Mestrado em Administração da FURB, Andreyna Santos desenvolveu a Coostura, uma plataforma online para conectar costureiras faccionistas a fornecedores que possuem demandas de costura de forma segura. O gatilho para o desenvolvimento do projeto foi um golpe sofrido por sua mãe, que não recebeu o pagamento por um serviço de costura negociado em um grupo nas redes sociais. O projeto foi premiada na 4ª Feira de Inovação e Empreendedorismo do Vale Europeu, em 2023. No ano seguinte, a proposta foi aprovada pelo Programa Mulheres+Tech da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc) que forneceu recursos para melhorar a plataforma. “Hoje, temos 200 costureiras cadastradas em sete estados do Brasil. Dezenas de empresas já usaram a plataforma para contratar essas profissionais. Aos pouquinhos, estou contribuindo para o rastreio da cadeia produtiva”, comemora. O acesso à plataforma é gratuito para as costureiras, enquanto as indústrias podem acessá-la por meio de assinaturas.
FURB Pesquisa
O estudo é tema do programa FURB Pesquisa desta semana: