Pesquisa FURB analisa o discurso jornalístico sobre usina hidrelétrica e revela invisibilidade de populações atingidas
Por Camila Maurer [17/10/2025] [17 h01]
Uma pesquisa de Mestrado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau (PPGDR/FURB) investigou o modo como o jornalismo retratou a implantação da Usina Hidrelétrica de Estreito, localizada no sul do Maranhão (MA), na divisa com Tocantins (TO). A constatação de que o discurso jornalístico hegemônico normaliza grandes obras de infraestrutura e silencia os sujeitos impactados por elas é uma das conclusões centrais do estudo. A pesquisa foi conduzida pelo pesquisador Vinícius Vieira, Mestre em Desenvolvimento Regional, sob orientação do professor Luciano Florit, Doutor em Sociologia.
A Usina Hidrelétrica de Estreito começou a ser implantada em 2004, após ter sido aprovada em um pacote de projetos de geração de energia no início dos anos 2000. Apesar de localizada no Maranhão, seus efeitos foram mais intensos em cidades tocantinenses. A construção da barragem da usina deixou partes de municípios embaixo d’água, o que alterou radicalmente não apenas a paisagem, mas o modo de vida das populações que habitavam o local há gerações. O transporte de barco por meio do rio foi inviabilizado, o que afetou o comércio e a dinâmica da relação entre famílias. A interrupção de práticas culturais ligadas ao rio, o desaparecimento de comunidades tradicionais e o fim da agricultura de vazante (que cresce à beira do rio pela mudança do fluxo de água) também estão entre os impactos. “Elas não podem acessar o rio de nenhuma maneira ou podem ser penalizadas criminalmente. São aspectos econômicos, socioculturais, mas também um aspecto de identidade das pessoas verem que esse convívio com o rio e, consequentemente, com suas famílias e com seu entorno, deixou de existir”, destaca Vieira.
O objetivo dos pesquisadores era compreender como o jornalismo tratou ou deixou de tratar as implicações sociais e ambientais relacionadas à construção da usina. Para isso, Vieira analisou um corpus de 131 materiais jornalísticos publicados por veículos generalistas e especializados sobre o tema. Desse total, 73 textos foram estudados em profundidade, por meio de metodologia de análise de conteúdo. A análise revelou que os veículos da mídia hegemônica reproduziram o discurso de fontes institucionais e jurídicas, ignorando ou minimizando o relato das populações atingidas. Veículos independentes e especializados, além do próprio Ministério Público Federal, exploraram abordagens mais plurais, incluindo os relatos das comunidades impactadas. Na avaliação do pesquisador, ao invisibilizar as histórias das pessoas atingidas, o jornalismo promoveu a despersonalização desses indivíduos e, consequentemente, a despolitização da discussão. Para os pesquisadores, os resultados demonstram a necessidade de rever o papel da comunicação de massa diante de empreendimentos com implicações tão profundas. “O trabalho mostra o papel do jornalismo nessa normalização, nesse apagamento de certas realidades”, avalia Florit. Ao mesmo tempo, revela que outras práticas jornalísticas são possíveis e necessárias.
Em outubro de 2024, Vieira e Florit conheceram in loco a realidade vivida pela população local. “A formulação dos objetivos da pesquisa não podia ser unilateral de nosso lado, pesquisadores do sul do Brasil, para falar da realidade da Amazônia. Esse é um assunto bastante delicado no Brasil. O que costuma acontecer é que se colocam olhares externos para dizer o que deve acontecer lá e quais são os problemas. Isso acontece, inclusive, no campo científico, lamentavelmente. Nós não queríamos incorrer nisso. Nesse sentido, essa visita foi fundamental para nós”, explica o orientador do estudo. Durante a visita, os pesquisadores conversaram com a população local e pesquisadores da região para compreender a abrangência dos impactos gerados pela obra. A pesquisa faz parte do projeto “Cadeias Produtivas dos Povos das Águas e da Floresta: Fomento e Catalogação Coparticipativa”, realizado no âmbito da iniciativa nacional Amazônia +10, que articula instituições de ensino e pesquisa em torno de temas estratégicos para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Legal.
Florit avalia que o processo implantação do empreendimento reflete um padrão histórico de ocupação e exploração do território amazônico e destaca que as populações que habitavam a região promoviam impactos positivos sobre o desenvolvimento sustentável da região. “Tem o aspecto da convivência para o rio, da atividade econômica, da produção de alimentos e também do que a gente chama de externalidades positivas. Ou seja, eles não apenas estão fazendo algo que não traz problemas a outros, eles estão fazendo coisas que trazem benefícios a outros. Considerando a questão ambiental, eles não são parte do problema, eles são parte da solução. E esse tipo de vida ficou inviabilizada”, ressalta.
FURB Pesquisa
O trabalho foi tema do programa FURB Pesquisa desta semana: