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08/05/2015 - Precisamos insistir com o jornalismo

O Prof. Dr. Rogério Christofoletti (UFSC), fez a conferência de abertura na quinta-feira (07-05), do III Encontro Sul-brasileiro de Professores de Jornalismo, realizado na FURB. Ele falou dos desafios de formar novos jornalistas, das implicações das Novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Jornalismo e do papel essencial dos professores de Jornalismo neste processo. Veja trechos da conferência:
Conhecimento transformador
“Vou começar com duas situações que mais parecem anedotas. Muitos de nós já passamos por isso. A primeira situação. O aluno chega e pergunta: ‘Professor, além de dar aulas, o senhor também trabalha?’ Poderíamos responder: ‘Sim, eu também caço cangurus!’
A segunda situação. A aluna chega e pergunta: ‘Professor, o que o senhor vai dar de importante?’ Uma boa resposta é: ‘Hoje, o Batman vai aparecer montado num dinossauro perseguindo o Papa-Léguas!’.
Como eu disse antes, as duas situações parecem piadas, mas são muito comuns no nosso cotidiano. Elas revelam dois comportamentos bem recorrentes dos estudantes de jornalismo: o desconhecimento do trabalho do professor, e um sentido utilitário do conhecimento.
Vamos tratar do primeiro. Na maioria das vezes, sentimos que nosso trabalho não é bem compreendido pelos estudantes. Desta forma, eles pensam que somos contêineres de conhecimento, baús que podem ser acessados. Sabemos que não é assim.
Na realidade, nos preparamos muito para lecionar. Estudamos, pesquisamos e formulamos muito antes de qualquer coisa. Planejamos nossos cursos, nos cercamos de materiais, criamos estratégias de ensino, enfim, levamos muitas horas para preparar as aulas.
A segunda situação que descrevi é mais preocupante: ‘O que o senhor vai dar de importante hoje?’ Ela denota uma noção de que o conhecimento é algo que precisa ter uma utilidade, que a sua importância vem justamente daí: da sua capacidade de uso. É uma visão pragmática, concreta e utilitária. Mas também é reducionista e imediatista. O estudante pensa: ‘o saber bom é o saber que eu consigo aplicar, que me faz fazer algo’.
O conhecimento é mais complexo e ele não se reduz ao uso que dele fazemos. Ele é constitutivo, formador, transformador. Cabe a cada um de nós, na sala de aula, demonstrar como aquelas aulas são importantes para a formação dos futuros profissionais. Cabe, sim, a cada de um nós articular conteúdos e técnicas, teorias e práticas.
Cabe a cada um de nós, na sala de aula, demonstrar como aquelas aulas são importantes para a formação dos futuros profissionais. Cabe, sim, a cada de um nós articular conteúdos e técnicas, teorias e práticas. Mesmo quando se trata de saberes de base, é preciso mostrar aos estudantes que eles se tornarão melhores jornalistas se conseguirem aliar formação humanística, cultura diversificada e preparo técnico.
Diretrizes curriculares
A definição das Novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Jornalismo é resultado dos esforços e dos embates que tivemos em nosso campo. Não se trata de uma imposição do MEC. Foi a comunidade acadêmica quem batalhou para a modernização e para a atualização das bases pedagógicas de nossos cursos.
Não é fácil promover as mudanças para adequarmos nossas realidades ao documento das Diretrizes. Mas o documento nos oferece direções, vetores de trabalho, indicativos que podemos perseguir para oferecer uma formação mais completa aos futuros jornalistas.
Não é fácil promover as mudanças para adequarmos nossas realidades ao documento das Diretrizes.
Mas o documento nos oferece direções, vetores de trabalho, indicativos que podemos perseguir para oferecer uma formação mais completa aos futuros jornalistas.
Volto a frisar: não é fácil reorganizar nossa realidade a um modelo novo. Mas é preciso. O jornalismo é uma atividade humana muitíssimo impactada pelas novas tecnologias e pelas novas culturas nos últimos anos.
A definição dos novos currículos é um teste de fogo para professores, gestores e instituições. Testamos nossa tolerância e colocamos à prova a capacidade das instituições de investir em novas instalações, laboratórios, equipamentos e sistemas. Este momento é também uma oportunidade para construir novas e melhores escolas de jornalismo.
Competências e habilidades
Em outras palavras: acho que a entrada em vigor das Novas Diretrizes e a implementação dos novos currículos nos permitem alterar nossas formas de raciocinar. Ao invés de pensarmos em conteúdos e unidades de ensino a serem oferecidos, podemos pensar em quais competências e habilidades queremos ou devemos ajudar a desenvolver em tal disciplina. Assim, abandonamos uma visão conteudística, já cristalizada nos últimos anos, e passamos a pensar o curso como um efetivo percurso a ser trilhado pelos estudantes.
Exemplos!
Na disciplina de Redação 1, onde as unidades de ensino sinalizam o lead e a notícia, importam menos as tipologias e conceitos e interessam mais os exercícios que permitirão aos jovens reunirem e organizarem as informações mais relevantes, que vão motivá-los a organizar os dados e que vão oferecer ferramental para que estruturem seus textos e aberturas. Competências e habilidades!
Tenho pensado cada vez mais nesta vertente que exige de mim, como professor, ser um elemento que identifique ausências ou insuficiências, um motor que estimule e provoque o desenvolvimento de competências ou habilidades. Pois são elas que permanecem. Os conteúdos se modificam, se sobrepõem, mas as competências, se bem trabalhadas, podem não apenas se desenvolver, mas também fixar bases para outras mais complexas...
Insistir no jornalismo
Para além de construirmos novos currículos que privilegiem o desenvolvimento de competências e habilidades em contraponto à digestão conteudística, considero muito importante martelar num ponto: em meio ao império das banalidades, é preciso insistir no jornalismo!
Precisamos insistir com nossos estudantes sobre critérios rigorosos, sobre qualidade e excelência na apuração, sobre altos padrões éticos, enfim, precisamos bater na tecla sobre a distinção entre o relevante e o meramente interessante. Entre o útil e o impactante. Um dos conceitos que mais instintivamente usamos é o de interesse público. Em nome dele, justificamos qualquer conduta, violamos direitos, atropelamos as maiores gramáticas jornalísticas e rasgamos todos os códigos deontológicos.
Repito: precisamos insistir com o jornalismo. Para além da mera enunciação de algo ou a promoção de produto, marca ou pessoa. Os futuros repórteres precisam sair das escolas com a nitidez cristalina do que é notícia e o que não passa de anúncio. Os editores devem saber o que sustenta uma versão e o que se revela como estratégia de manutenção de interesses.
Atuação docente
Mas documentos não bastam. Precisamos olhar para as próprias vísceras e promover algumas mudanças. No âmbito da comunidade docente, vejo dois focos importantes de atuação.
O primeiro diz respeito à nossa postura diante da propalada crise do jornalismo. Como vamos estimular os jovens a investir recursos, tempo e energia numa carreira que não parece próspera? Como vamos incentivá-los a estudar, a melhorar seus desempenhos se a noção de futuro é vaga e pouco confiável?
É preciso manter o entusiasmo daqueles que querem construir soluções para debelar a crise. É preciso acreditar verdadeiramente que existe luz no final do túnel, e que esta luz não é o trem. É preciso assumir uma postura positiva, criativa, propositiva. Não se trata de mentir, de iludir ou de falsear. Não é o caso de pintar o céu com outras cores, mas de querer ver o sol para além das nuvens pesadas que tentam escondê-lo.
Para mim, é uma questão de honestidade funcional. Se não creio na continuidade do jornalismo, se penso que ele está fadado a morrer e que estamos apenas retardando a subsistência dos nossos estudantes, não é justo nem honesto da minha parte convencer meus estudantes a continuarem o curso. Não é honesto nem franco. Então, como professores de jornalismo, devemos acreditar que a malfadada crise é uma fase, que vai passar, que vai nos trazer feridas e aprendizados e que vai nos estimular a buscar saídas.
Um segundo ponto dentro do grupo de professores de jornalismo me incomoda muito: o cinismo fatalista. Explico, citando uma frase que já ouvi. “Aceito que meu filho escolha qualquer profissão, menos a de jornalista, claro!” E o sujeito é professor da área! Ele ganha a vida ensinando outros jovens a se tornarem futuros jornalistas! Ele paga as contas de casa iludindo estudantes a atuarem num mercado falido, numa profissão estéril...
Ora, como é possível ter tanta desfaçatez? Tanta crueldade com quem está se empenhando para ocupar um lugar ao sol? Eu simplesmente abomino essa postura sórdida e cínica. Se o sujeito não acredita no jornalismo, se pensa que a carreira é desimportante, tudo bem. É seu direito. Mas ele não pode ao mesmo tempo desprezar tal atividade e dela viver, vampirizando seu ensino e formação. Não pode alimentar esse estelionato educacional por mais tempo.
Como já disse uma vez Alberto Dines, precisamos de gente igual, mas com disposição diferente. As Novas Diretrizes para os Currículos de Jornalismo são cintilantes faíscas que - para cumprirem sua função – precisam se encontrar com combustível e comburente.
Vontade de fazer
Não existe fogo e calor sem oxigênio, sem material para queimar e sem temperatura de ignição. De nada adianta termos um novo documento norteador de nossas ações pedagógicas se não tivermos condições de implementá-lo e vontade para fazê-lo.
Precisamos batalhar para que nossos cursos, departamentos e instituições ofereçam as melhores condições de ensino e de aprendizagem; que invistam em laboratórios e equipamentos; que valorizem e reconheçam os professores; que sirvam de plataforma de lançamento de inovações e experimentações.
De nossa parte, precisamos ter disponibilidade e disposição para modificar nossas realidades e construir novos horizontes. É preciso contaminar nossos currículos com fé e ousadia, equilíbrio e inconformismo, responsabilidade e paixão pelo jornalismo”.
Publicação: 08/05/2015 - 14h46 - Gabinete da Reitoria/Jornalismo | Foto(s): Aristheu Formiga
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